O advogado Daniel Douek analisa o cenário regulatório brasileiro das MVNOs, com foco na tensão entre exclusividade contratual com as MNOs e o redesenho do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) aprovado pela Anatel em 2025. O debate ganha fôlego em um contexto de concentração no SMP após a alienação da Oi Móvel, quando as MVNOs são vistas como alavancas de competição.
A exclusividade pode ocorrer de duas formas: (i) Exclusividade de Jure, cláusula contratual que prende a MVNO a uma única MNO, e (ii) Exclusividade de Fato, decorrente de barreiras técnicas que criam lock-in mesmo sem disposição expressa no contrato. Ambas as vias são objeto de cautela regulatória, pois podem favorecer investimentos ao custo de reduzir a contestação competitiva.
O CADE aplica a regra da razão para avaliar acordos de exclusividade, exigindo cumulativamente posição dominante, efeito de fechamento de mercado e ausência de eficiências compensatórias. Casos recentes envolvendo plataformas digitais e bebidas ilustram limites temporais, percentuais máximos e restrições a cláusulas de multa, refletindo uma tendência de controle mais rigoroso sem presunção de ilicitude absoluta.
No âmbito interno, o PGMC confronta o Roaming Nacional e o Roaming EIR. A Anatel mantém uma abordagem que privilegia a liberdade contratual, mas impõe controle prévio sobre exclusividades por meio da homologação de ORPAs. MVNOs, em grande parte, não possuem roaming intra-área, com a justificativa de que a conectividade interna serve a expansão de infraestrutura e não o modelo de negócio MVNO.
Em decisões recentes, houve reversões e ajustes: o caso de exclusividade entre Claro e NuCel, aprovado pelo Conselho Diretor em 2024, mostrou que cláusulas de exclusividade podem ser consideradas legais sob o regime regulatório vigente, desde que estejam sujeitas à verificação de abusos. Separadamente, o PGMC prevê tratamento diferenciado para IoT/M2M, com uma janela de isenção de cobrança de assinatura mensal até 27 de setembro de 2027, seguida de cobrança gradual para dispositivos conectados, buscando equilíbrio entre investimento e competição.
Entre recomendações, o debate regulatório sugere critérios mais estruturados para análises ex ante e ex post das cláusulas de exclusividade e a adoção de parâmetros técnicos objetivos para harmonizar liberdade contratual com competição. Modelos MVNO com múltiplos parceiros (multi-home) podem ampliar resiliência e ofertas no mercado, com atenção especial a MVNOs B2B/IoT, onde a conectividade é crítica. Casos internacionais, como Vodafone (Reino Unido), Orange (França/Espanha) e Telenor (Nordic), ilustram como o acesso não exclusivo pode promover competição sem comprometer a sustentabilidade das MNOs.
Daniel Douek é sócio do Mundie Advogados